Diego Armando Maradona (1960-2020) está entre as figuras máximas da identidade argentina e talvez seja a maior delas. Não por acaso, o jogador de futebol que levou milhões ao delírio é o único entre os vários mitos do país (e olha que há vários deles) a receber a alcunha de “Deus” (“D10s”, com a engenhosidade de misturar a palavra em espanhol com a camisa 10 que o vestiu para a glória). Sua vida, cheia de lances épicos, ganha outro mais —depois de sua morte.
Maradona é descendente de um homem escravizado que integrou o histórico Exército dos Andes —tropas lideradas pelo general argentino José de San Martín (1778-1850) que foram responsáveis pela liberação de Peru e Chile do domínio espanhol.
Isso é o que apontam vários anos de estudos e resgates de documentos analisados pelo genealogista Guillermo Collado Madcur, que se dedica ao ofício há quatro décadas e foi presidente da Federação Argentina de Genealogia e Heráldica.
“Há algum tempo, com maior influência europeia, penso que houve uma forte intenção de negar, ocultar ou subestimar as ascendências indígenas ou africanas, mas ultimamente percebo o contrário: há interesse em valorizá-las e evidenciá-las”, diz Collado à Folha, sobre a recepção do estudo na Argentina, apresentado em um congresso de genealogia em 2022 e que agora vem ganhando maior repercussão pública.
Em sua investigação, publicada na Academia Argentina de Genealogia e Heráldica, em Córdoba, Collado detalha que o sobrenome ancestral do jogador é “Fernández de Maradona”, a partir de Francisco Fernández de Maradona, um espanhol oriundo de Galícia que chegou à Argentina em 1748 e ali casou e constituiu família, na província de San Juan, centro-oeste do país.
Um dos filhos do casal, José Ignacio Fernández de Maradona (1752-1828), foi uma figura destacada da região. Chegou a ser governador daquela província e possuía escravos, entre eles, Luiz Maradona, registrado como “violinista” e convocado a lutar no Exército dos Andes em troca de sua liberdade.
“Luiz Maradona se casa com uma mulher escravizada desse mesmo senhor de escravos, Maradona”, conta Collado. Dessa união nasce, em 1812, Juan Evangelista Maradona, que se tornará um homem livre —uma vez que seu pai havia conquistado essa condição.
Em busca de melhores oportunidades, Juan Evangelista deixa San Juan para morar na província de Corrientes, a mais de 1.000 km de distância. Ali se casa e funda o tronco familiar “correntino”, do qual descende o jogador, indica o genealogista. “Esse homem chega a ficar rico, possui cabeças de gado, mas depois decai economicamente. Tem uma filha —Victorina ou Victoriana—, que se torna lavadeira e que é a bisavó de Diego Armando Maradona.”
Ela é a mãe de Saturnino Maradona, “em um lar monoparental”. Saturnino, por sua vez, “é o pai de Don Diego (pai de Maradona), que se casa com Dalma Franco”, detalha Collado.
“Don Diego” (1928-2015) começa a trabalhar no porto da cidade de Corrientes, capital daquela província, mas depois se torna operário em uma fábrica na Grande Buenos Aires, onde nasceria Maradona, em 1960.
Também pesquisador e professor de ciências da comunicação na Universidad Nacional de San Juan, Collado conta que entregou uma cópia do estudo a Dalma Maradona, filha mais velha do jogador.
Entre os objetivos que julga ter alcançado com esse trabalho estão “dissipar dúvidas e descartar especulações”. “E, sem que fosse esse meu propósito original, mostrar um exemplo de superação”, acrescenta. “Para mais de um dos meus compatriotas, o resultado dessa investigação constitui toda uma metáfora da argentinidade.”
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Fonte: Folha de S.Paulo