Olga Lustosa

No livro 1984, o fabuloso George Orwell, ensina que “enquanto as pessoas discutem detalhes insignificantes sobre um tema, deixam de perceber que o essencial está sendo decidido sem elas.” É uma forma eficiente de controle político desviar para a superficialidade as discussões e campanhas públicas e políticas. Tem-se falado muito para evitar falar sobre o essencial, que são as denúncias de corrupção, do índice absurdo  de feminicídio, da falta creches, das obras inacabadas. Em meio a tantas prioridades, no estado, na capital do estado e no país é inaceitável que se cobre alinhamento político a um par de chinelos mais do que se cobre políticas públicas de proteção às mulheres.
Hannah Arendt, ao analisar os regimes totalitários mostra enfaticamente como a política perde a importância quando o debate público é substituido por ruídos e banalidades.’ Quando os fatos deixam de importar, qualquer tema irrelevante é jogado no centro de um debate só para ocupar espaço na mídia. Tem-se falado muito de coisas que não ameaçam o poder e tampouco lhe acrescenta coisa alguma. Desvia-se o debate sobre problemas sérios para criar conflito e para tranformar a política em espetáculo.
Resistir a divisão e a espetacularização da política é um exercício de maturidade democrática. Sabemos todos que os chinelos  nunca foram alvos da discussão, seu entorno, sim; os bilionários Moreira Salles que detém a marca e as ligações e preferências saudáveis por certos artistas. Isso não tira da empresa o símbolo do estilo de vida brasileiro, alegre, colorido, despojado e as propagandas, além de focar em vender chinelos, quase sempre têm mostrado a pluralidade cultural, social e simbólica do país, o que via de regra, provoca identificação com aquela ideia de que todo mundo usa.

“Em tempo de preparação para as eleições de 2026, a ideologia política não deve assumir esse caráter doentio, essa devoção, porque mais do que falar bem ou mal de uma marca, o que percebemos foi o culto nada saudável aos políticos que alimentam a divisão, a polarização e acabam levando os seguidores a se afastarem dos princípios básicos de  respeito e empatia”

Nem tudo na vida resvala na politica, nem tudo reflete o pensamento raso de quem se divide, no clássico: eu estou de um lado, eles estão do outro. As pessoas adultas seguirão caminhando com o pé direito e esquerdo, ou dando ‘seus pulos’ com os dois pés para sobreviver.
A política não precisa ocupar todos os vazios da experiência humana; temos família, amigos, celebrações, estudos, conversas triviais que não precisam estar impregnadas de manifestação política. Em tempo de incompreensão, é preciso abrandar a radicalização; discordar sem hostilizar, debater sem desumanizar e reconhecer que a identidade de marcas e de pessoas  não se esgota em suas posições políticas e que a linguagem do pensamento crítico não é o ódio. As pessoas precisam de espaço para existir sem ter que tomar partido e se posicionar ou dar explicações o tempo todo.
No sentido figurado,  o excesso de enquadramentos divisionistas e polarizados está causando um profundo cansaço, a convivência cotidiana está se tornando tensa e o ano eleitoral que se aproxima promete deixar de ser apenas um tempo de debate mas um contexto de redução de diálogo e apostas no conflito.
Em tempo de preparação para as eleições de 2026, a ideologia política não deve assumir esse caráter doentio, essa devoção, porque mais do que falar bem ou mal de uma marca, o que percebemos foi o culto nada saudável aos políticos que alimentam a divisão, a polarização e acabam levando os seguidores a se afastarem dos princípios básicos de  respeito e empatia. Sem discussões e paranoias, há outras marcas de chinelo no mercado. Ninguém se importa se você não se sente confortável usando havaianas. Simplesmente mude, sem paixão, porque isso não é sobre política. É um conteúdo aleatório trazido à tona propositalmente para cooptar e alienar a sua mente. 
Olga Lustosa é socióloga e cerimonialista pública. Escreve com exclusividade para esta coluna aos domingos. E-mail: olgaborgeslustosa@gmail.com​ Olga Lustosa Quando o debate vira entretenimento, o essencial desaparece Quando debate vira entretenimento, o essencial desaparece

Fonte:RD News

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